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O POÇO: UMA PRISÃO SEM GRADES QUE SEGREGA E (DES)ORGANIZA A SOCIEDADE - “A gente não quer só comida”




"Deixa, deixa, deixa

Eu dizer o que penso desta vida.

Preciso demais desabafar..."


Desabafo é uma canção interpretada por Marcelo D2 que retrata uma perspectiva de protesto e indignação. Ela pode ser interpretada como a expressão das dificuldades identificadas no dia a dia e as mazelas da sociedade no tocante à convivência, aspectos que abordaremos ao longo deste texto.


Os dias passam e são cada vez maiores as nossas dúvidas e incertezas sobre a vida, a sociedade, as pessoas, as relações, sobre nós mesmos! Até onde somos capazes de ir e o que nos dispomos a fazer em busca das nossas pretensões? Quais são os nossos limites? Estes, de fato existem!? Diversos são os questionamentos que tangem a humanidade com suas inúmeras e distintas percepções.


Mas o que é o Poço?


Imagina-se que o poço está em nós. O poço é uma viagem ao nosso interior, com requintes de tudo que há de mais profundo em nossas mentes. Ou seja, é um emaranhado de sentimentos bons ou ruins, maléficos ou benéficos. Ou melhor, maléficos para sermos benéficos, caso haja interesse em ser. É notório que nessa estrutura existem diversos elementos: o sistema, a alienação, a administração que usa de todo o seu poder bélico e psicológico para que estejamos aprisionados em nossas próprias angústias e males que cultivamos cotidianamente. E quem se beneficia com tudo isso? Devemos entender que a partir do momento que estamos cobertos pelo véu da ignorância, vendados pela sombra da insegurança e silenciados pelo medo, há sempre um ganhador por trás de tudo isso. Esse ganhador utiliza das nossas fraquezas para que a máquina continue a rodar e que continuemos inertes e desnutridos cognitivamente.


  • Em que consiste o Poço? - Em comer, Óbvio.


Esse diálogo nos remete à essência humana e ao seu insaciável desejo pela satisfação, indiferente de quais sejam os tipos e níveis de intensidade daquilo com o que pretendemos saciar-nos. É inegável que nosso ventre vive ávido por comida, seja ela qual for. Paulo de Tarso, em sua carta aos Filipenses, já denunciava este comportamento inerente ao ser humano: “o deus era o próprio ventre”. Nossa mente tem sido condicionada a viver neste “Poço”, onde acredita-se, de forma inconsciente, que nossa existência consiste neste mero ato de consumir, coisas e pessoas. Desde o furto de um celular até a guerra entre nações, as motivações não passam de um anseio egoísta de satisfazer, a qualquer preço, essa ganância existencial.


Até quando vamos continuar a alimentar os nossos demônios? A avareza, a gula e a vaidade só existem porque há quem as alimenta por mero egocentrismo. Todo mundo quer subir, mas ninguém quer descer. "Ora, para trás nem para pegar impulso." Balela, falácia e hipocrisia. Ninguém quer recuar. No entanto, recuar não é perder. Descer não é cair. Cair não é fracassar.


Nos níveis superiores você pode comer o que quiser, mas depois não tem nada o que esperar, mas muito o que pensar.


Será que as expectativas são oriundas e indissociáveis da natureza humana? “Óbvio”. O caminho para alcançar um objetivo, por mais árduo que seja, geralmente deixa mais saudade do que o dia em que a conquista torna-se efetiva. Mas o que ocorre quando se tem tanto, ao ponto que a expectativa se torna escassa? Quem se lembra de Davi, o Rei de Israel? Ele já havia conquistado tanto que podia se dar ao luxo de ficar no palácio enquanto seus exércitos estavam em combate. Numa inusitada circunstância, o Rei avista a esposa de um dos seus soldados e decide tomá-la para si, com o mero desejo de saciar sua vontade e sem se importar com o seu fidelíssimo soldado. - Em que consiste o Poço? - Em comer, Óbvio.


Ora, temos aqui a corrupção ativa, passiva e descarada.


Não é o que ocorre? Aparentemente os detentores do poder, por não enxergarem diante de si mais a ser conquistado, desfrutam até do que não lhes pertence pelo simples fato de terem o privilégio de serem os primeiros a terem acesso a “comida” produzida com a pretensão de saciar a todos. A partir disso, questiona-se: para onde vai o dinheiro dos impostos que não retornam ao povo de modo a garantir os seus direitos e os mínimos existenciais?


“A fome desata loucura, e nesse caso, é comer ou ser comido.”


E não se iluda acreditando que o problema está situado apenas nos níveis mais altos da sociedade, no estrato mais volumoso da pirâmide a luta se revela ainda mais incompreensível. Inacreditavelmente vemos os iguais “comerem”, todos os dias, uns aos outros. Indubitavelmente a cooperação existente precisa ser fortalecida e disseminada com foco em propósitos comuns, a coletividade. Onde há fome a expectativa se tornou chavão e o “sextou” não passa de chupeta na boca de uma criança, que não alimenta, não nutre, não sacia. Entretanto, funciona como antidepressivo que maquia a loucura de existir nos primeiros dias da semana, como se ela realmente atirasse ao esquecimento a verdade óbvia de que haverá sempre uma segunda-feira.


Os Racionais MC’s delatavam todo esse poço que há dentro de nós na música “A Vida é Um Desafio”:

(...)Mas o sistema limita nossa vida de tal forma

E tive que fazer minha escolha, sonhar ou sobreviver

Os anos se passaram e eu fui me esquivando do círculo vicioso

Porém o capitalismo me obrigou a ser bem sucedido

Acredito que o sonho de todo pobre, é ser rico

Em busca do meu sonho de consumo (...)


Frente à expressividade do trecho destacamos que o ponto mais nevrálgico da música, relacionado com "O Poço" em que vivemos, é “o que é bom pra si e o que sobra é do outro…” E isso quando sobra! Vivemos na necessidade desnecessária de acumular as coisas, tornando nosso interior poluído e tóxico... Um verdadeiro Chernobyl.


Onde abunda a expectativa e se vive por esperar, doentes de ansiedade, pela sobra do que se saboreou nos níveis acima, é também onde se mata e se morre. A concentração de energia que deveria ser destinada à cooperação e união de forças é destinada somente à satisfação de seus próprios anseios e ao culto de próprio ventre.


Até quando continuaremos reconhecendo ou identificando uns aos outros pelos bens materiais adquiridos ou pelo cargo que ocupam? Será que estas seriam as formas mais apropriadas para caracterizar alguém? Aparentemente, por inúmeras situações que temos conhecimento, o preço tem tido mais importância e expressividade do que o valor. Em um mundo de intensas e diversas comunicações, dialogar horizontalmente é uma vitória, dialogar verticalmente é um privilégio. E por incrível que pareça, isso não é ÓBVIO.


Talvez Pablo Picasso tenha expressado em sua obra (Guernica) um episódio trágico, ao qual tornou-se similar ao nosso cotidiano. A Guerra nem sempre é representada apenas por aviões, tanques, armas e bombas. Em determinadas situações também vemos e presenciamos o derramamento de sangue, vidas ceifadas, comportamentos perversos e desumanos culminando no efeito devastador da violência nessa floresta de concreto e aço em que (sobre)vivemos. Diante disso, torna-se redundante e ao mesmo tempo imprescindível destacar que mortes, fome, miséria e ódio nunca serão partes integrantes de um cenário de paz e prosperidade.


É preciso, assim como um caramujo, retornar à nossa casa, viajar para dentro de nós e (re)conhecer a si mesmo. Ler Dom Quixote foi apenas uma alusão à sabedoria, é necessário entender as entrelinhas das notas de rodapé em busca do autoconhecimento e da solidariedade espontânea e despretensiosa. Afinal de contas, o que será de mim se não houver outro?


Parafraseando a afirmativa do professor e filósofo Mário Sérgio Cortella: não é salutar que as nossas relações sejam baseadas em confrontos (situação em que os envolvidos têm ideias inflexíveis, pouco ou nenhum interesse em ouvir as considerações alheias e com forte oposição às convicções do outro. O grande marco é que ao final deverá existir um vencedor entre estes que se colocam como oponentes.), precisamos investir em conversas baseadas nos conflitos (circunstância em que há diferença entre as ideias. Porém, existe o anseio pela escuta e apresentação das perspectivas, pelo aprendizado e pela evolução. O objetivo não é vencer e sim evoluir, fortalecendo a dialética).


A verdade é que, indiferente às circunstâncias, o que nós temos é uns aos outros. E, se não melhorarmos os paradigmas estruturantes das nossas relações, estaremos fadados ao fracasso, à tristeza, à solidão, à extinção… Óbvio!


Chegamos ao final do texto com uma certeza: pode ser que tudo isso não passe de uma viagem, loucura, sonho ou mera alucinação…

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